Vida irreal
Estava eu tranquila, sentadinha no autocarro, entretida a ler as noticias do jornal matinal que me foi oferecido tão simpaticamente na paragem, quando entram duas moças que se sentam no banco à minha frente, uma delas estava muito zangada, falava muito alto, era por causa do trabalho que lhe tinham destinado para o dia, a empresa trocara-lhe as voltas, ia substituir outra, ou lá o que era, e ela ia falar com a chefe, e esbracejava, não parava quieta no banco, gesticulava mais um bocadinho, e eu lá ia seguindo aquele ânimo irado, como se estivesse a ver uma série na televisão, "eh pá, tas a ver? foda-se pá! já tinha combinado umas cenas, vem a gaja e lixa-me a vida", e jogava os braços ao alto, "logo hoje pá! Logo hoje que é sexta feira a gaja balda-se ao trabalho", mas nisto saca do telemóvel, junta a cabecinha à cabecinha da amiga, fazem as duas uma boquinha de pato, e elas, a boquinha de pato e os dedinhos esticados em sinal de v de vitória e a piscadela de olho todos juntos numa bela selfie, repetem a coisa várias vezes porque o ângulo não as favorecia, postou na rede social das vidas perfeitas e voltou de imediato à vida real. Enfurecida e aos gritos.