Se a minha vida não podia ser tão mais simples...
... um campo de papoilas, um jardim imenso de girassois, um mar de rosas? Podia...
Ep1: assim que o ligo, notifica-me que está pronto para ser actualizado. Ignorei. De manhã entre o despertador tocar, duche para o corpo acordar, pequeno almoço e o café bebido à janela, para apreciar o movimento, olhar o céu e decidir se levo casaco ou não, e se carrego ou não o chapéu de chuva, gosto de ouvir música e quiça cantarolar e dançar, caso esteja no mood. Sem tempo para actualizar o telemóvel, que demora tempo infinito a ser actualizado.
Ep2: já a caminho da paragem do autocarro, liga-me o carpinteiro. Tinha agendado entregar as portas dos armários da cozinha, mas esqueceu-se de me avisar, mas avisou o arrendatário que também se esqueceu, não estava em casa. Esqueço o autocarro, volto para trás, um problema de máxima urgência a ser resolvido, ligo para o trabalho para avisar que vou chegar meia hora mais tarde, o bom de ter horário flexivel. Cheguei com um atraso de 2h, podia ser pior. E o telemóvel continuou a avisar que estava pronto para ser actualizado. Ignorei.
Ep3: estava na hora de ir espalmar as maminhas e já ia atrasada, tive de aguardar, porque entretanto outra senhora já tinha entrado na minha vez para fazer a mamografia. E esperei... esperei... esperei ... porque foram chegando outras senhoras com consulta marcada e que se apresentaram a horas, não como eu que cheguei atrasada. Mamografia feita, tudo em bom estado. Mas entretanto o telemóvel foi-se, apagou-se.
Ep4: chego a casa, telemóvel à carga. Com pouca bateria, mas o suficiente para o consegui ligar, volta a lembrar-me que está pronto para ser actualizado. Dou início à actualização. Os telemóveis dos tempos modernos são uma verdadeira chateação, andam sempre com estas tretas, actualizações... pede-me o código do cartão, insiro o código, errado só tem mais duas tentativas. Vou a carteira onde guardo todos os cartões e estão lá todos menos o cartão que preciso. De mãos na anca, pergunto-me onde poderá estar o cartão, sei que sou desorganizada, que volta e meia perco coisas ou deito fora, mas não ia fazer isso a um cartão que sei à partida precisar, esta cabeça já teve melhores dias e fixar códigos, que são muitos, é coisa que por vezes falha.
Ep5: a busca pelo cartão perdido não teve o melhor resultado. Revirei a mala vezes sem conta, procurei noutras carteiras, na caixa onde guardo a papelada para arquivar, gavetas ... nada. Disse mal da vida. Cheguei mesmo a desesperar porque entretanto, nesta busca pelo cartão com o código, veio-me um número à cabeça, que só podia ser aquele, e errado novamente, já só tinha uma tentativa e se não inserisse o código certo, bloqueava, depois era o cabo dos trabalhos, porque não faço a menor ideia se na loja o conseguem desbloquear. E a minha vida toda está no telemóvel.
Ep6: com isto tudo são 17.30, hora de regressar ao trabalho, sem telemóvel, sem saber do cartão, sem ter almoçado, com os nervos em franja, sem humor e com uma enorme dor de cabeça. Sorte que já toda a gente tinha ido embora. Foram 4h a dar volta à mona para tentar saber onde guardei o cartão. Às vezes também faço destas coisas, guardo as coisas tão bem guardadas e depois esqueço-me onde as guardei. Lembrei-me nos entretantos que tenho a mania de registar os códigos no telemóvel, se a sorte estivesse do meu lado, nada estava perdido e o telemóvel voltava à vida.
Ep7: são 22h, tenho o telemóvel velho a carregar, o telemóvel novo continua a olhar para mim a pedir por favor... o código e desta vez vê se acertas senão tá tudo lixado com um F..... eu às voltas nas gavetas das mesinhas de cabeceira, em busca do cartão. Por fim, e para finalizar que isto já vai longo, tal e qual como foi o dia, o telemóvel velho liga-se, o número do cartão está registado e o telemóvel novo agradeceu o código correcto. Entretanto já deitada, e para desanuviar, pego no livro que me tem acompanhado na última semana, abro na página onde terminei no dia anterior e encontro o cartão com o código a servir de marcador.
... se a minha vida não era tão mais simples, se fosse um prado verdejante, com uma casinha em madeira, um longo alpendre, uma cama de rede, uma brisa suave ...
Podia ... mas já não era eu.