O que não falta por aí são Bettys e Josés.
Às vezes entretenho-me a ouvir conversas alheias quando vou sentada no autocarro.
Hoje o debate era aceso entre as duas senhoras que iam sentadas no banco à minha frente, ia em silêncio de olhos postos na janela, mas escutava-as com atenção. O mundo virou um lugar onde toda a gente é expert em alguma coisa. E agora parece que toda a gente é expert no caso de violência entre o José e a Betty.
Não conhecemos o José nem a Betty de lado nenhum, cabe à policia investigar e que se faça justiça, a dos tribunais, porque a justiça do povo é emotiva e tantas vezes perigosa, mas falamos do assunto como se nos fossem íntimos, da familia, amigos ou vizinhos. No entanto conhecemos outros Josés e outras Bettys e fechamos os olhos, preferimos não nos meter porque "entre marido e mulher não se mete a colher". Aceitamos sem duvidar quando a vítima nos diz que tem o olho negro porque bateu sem querer numa porta, ouvimos os gritos e fingimos não os ouvir, e se por caso a vítima for um homem, sim, porque há homens vítimas de violência doméstica, somos capazes de rir e gozar com a situação.
A violência está entre nós, naquele momento em que o cérebro deixa de ser racional e traz ao cimo o lado mais negro da pessoa. Infelizmente o crime de violência doméstica continua a obedecer ao mesmo triste enredo: todos calam até ao dia em que acontece o pior, a vítima acaba numa cama de hospital ou "ainda mais deitado, o coveiro que o diga".
Não me lembro de existirem muitas detenções de agressores. Mas que as vítimas tenham coragem de falar e quem ouve a coragem de denunciar.