A minha tia velha.
Antes das sete e meia a minha tia, enquanto abria as persianas, avisava-nos em tom assertivo, "se é para ficarem a dormir, não aproveitamos a praia". Fizesse chuva, sol, vento, nublado, lá iamos nós a toque de caixa banhar o corpo nas àguas "mornas" da praia da Figueira.
Enquanto tomávamos o pequeno almoço, entre o " despachem-se" e o "a praia é boa é de manhã cedinho", ela preparava o farnel. Alugava barraca durante o dia todo, e tinhamos de carregar comida suficiente, porque não havia o pedir isto ou aquilo na praia, com muita sorte tinhamos direito a um gelado ou a uma bolacha na praia, se nos portássemos bem.
E lá iamos os cinco, eu, a minha irmã e o meu irmão, a minha prima e a minha tia, a pé de Tavarede até à praia de Buarcos, cada um com uma mochila às costas, onde ia o farnel, a garrafa de àgua e a toalha. A minha tia encarregava-se de transportar também o saco com os brinquedos.
De vez em quando juntava-se a minha outra tia, "moça fina de Lisboa", chegava à sexta e ia embora domingo, alugava quarto na zona do Bairro Novo, conduzia um citröen boca de sapo beje, e gostava de frequentar o casino. Mas esta minha tia nunca teve estatuto de tia, porque era só a namorada do meu tio. Tia era a mãe dos meus três primos que faleceu antes de eu nascer, que me escolheu o nome porque iria ser minha madrinha. Algumas vezes fazia-se acompanhar pelo filho dela, mas o puto já tinha meia dúzia de pelos na "venta", a onda dele era outra e longos dias de praia sem os amigos era "uma seca".
A minha mãe, empregada de limpeza na casa de uns "senhores" raramente nos acompanhava, o meu pai, empregado de distribuição num armazém de bebidas, tirar férias no verão era impensável, era altura de muito trabalho. Ao fim de semana, normalmente iamos até à lagoa de Mira onde faziamos um picnic que durava até à noitinha.
Assim que chegávamos à praia ia tudo ao banho. Se estava fria iamos na mesma, porque a minha tia dizia que "àgua quente é em casa", verdade que depois de estarmos lá dentro ninguém queria sair. E ali ficava ela, de pé com as mão na cintura, à beirinha da àgua a vigiar-nos, a bata até abaixo do joelho, a minha tia nunca usava fato de banho porque tinha muitas varizes, e as "varizes querem banho de mar mas não podem apanhar sol".
Na hora de almoço e depois de comermos as sandes, naquela hora em que o sol "está muito forte" ninguém saía de dentro da barraca, e só podíamos ir à àgua depois de fazer a digestão, que ela controlava com rigor no seu relógio de pulso. Assim que nos dava ordem de soltura, corriamos viradas ao mar para mais uns banhos, enquanto ela ficava sentada na toalha à porta da barraca, com uma toalha em cima das pernas, a fazer renda. Volta e meia lá nos dava um berro, ou porque estávamos muito dentro do mar, ou porque a minha irmã amuava e ia sentar-se perto dela.
No fim do dia, depois de muitas horas dentro da àgua, ela ordenava que fossemos para as toalhas, ninguém saía da praia enquanto os fatos de banho não estivessem completamente secos, porque não queria que ninguém fosse o caminho de regresso a casa, a queixar-se que estava com as pernas assadas por causa da roupa molhada.
No fim de Agosto regressava a Lousa, uma aldeia perto de Loures, na camioneta com destino a Lisboa, mas antes de embarcar, entre muitos beijos e abraços, às escondidas da minha mãe dáva uma notinha a cada um, uma mania que ainda hoje tem.
A minha prima diz que andava de volta dos albuns de família e descobriu esta pérola, de Agosto no ano de 1985.